quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Wislawa Szymborska



sob uma estrela pequenina

me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
me desculpe a necessidade se ainda me engano.
que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
me desculpem os que chamam das profundezas pelo disco de minuetos.
me desculpe a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
e você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
verdade, não me dê excessiva atenção.
seriedade, me mostre magnanimidade.
ature , segredo do ser, se eu puxo os fios de suas vestes.
não me acuse, alma, por tê-la raramente.
me desculpe tudo, por não poder estar em toda parte.
me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
não me julgue má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.

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