terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Górki



minhas universidades 

Curvado, apoiando as mãos nos joelhos, espiei por uma janela; através das rendas da cortina, pude ver uma toca quadrada, as paredes cinzentas eram iluminadas por um pequeno lampião com um quebra-luz, abaixo do lampião, com o rosto voltado para a janela, estava sentada uma garota, e ela escrevia. e então levantou o cabelo e, com  um porta-penas vermelho, ajeitou uma mecha de cabelo na têmpora. Seus olhos estavam semicerrados, o rosto sorria. Lentamente, dobrou a carta, fechou o envelope, passou a língua pela borda e, após jogar o envelope sobre a mesa, ameaçou-o  com um dedo pequeno - menor que o meu mindinho. Mas pegou a carta outra vez, rasgou a beirada do envelope, leu, fechou-a dentro de outro envelope, redigiu o endereço, curvada sobre a mesa, e brandiu a carta no ar, como uma bandeira branca. Girando, de braços erguidos, foi até um canto, onde ficava a sua cama, depois saiu dali, já sem a blusa de dormir - tinha os ombros redondos feito pãezinhos doces - , apanhou o lampião na mesa e desapareceu num canto. Quando a gente observa como se comporta uma pessoa completamente sozinha, dá a impressão de que ela está louca. Fiquei andando pelo pátio, pensando em como aquela moça vivia de forma estranha, quando estava sozinha em sua toca.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Yehuda Amichai


um homem e a sua vida

Um homem não tem tempo na sua vida
para ter tempo para tudo.
Não tem momentos que cheguem para ter
momentos para todos os propósitos. Eclesiastes
está enganado acerca disto.

Um homem precisa de amar e odiar no mesmo instante,
de rir e chorar com os mesmos olhos,
com as mesmas mãos atirar e juntar pedras,
de fazer amor durante a guerra e guerra durante o amor.
E de odiar e perdoar e lembrar e esquecer,
de planear e confundir, de comer e digerir
que história
leva anos e anos a fazer.

Um homem não tem tempo.
Quando perde procura, quando encontra
esquece, quando esquece ama, quando ama
começa a esquecer. 

E a sua alma é erudita, a sua alma
é profissional.
Só o seu corpo permanece sempre
um amador. Tenta e falha,
fica confuso, não aprende nada,
embriagado e cego nos seus prazeres
e nas suas mágoas.

Morrerá como um figo morre no Outono,
Enrugado e cheio de si e doce,
as folhas secando no chão,
os ramos nus apontando para o lugar
onde há tempo para tudo.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Rainer Maria Rilke


os cadernos de malte laurids brigge

Estou em Paris; quem o ouve fica alegre, os mais deles invejam-me. Têm razão. É uma grande cidade; grande e cheia de estranhas tentações. Pelo que me diz respeito, devo confessar que em certo sentido sucumbi perante elas. Parecem-me que não se pode dizer de outra forma. Sucumbi a estas tentações, e isso trouxe atrás de si certas transformações, senão no meu caráter, pelo menos na minha concepção de mundo e da vida, em todo o caso na minha vida. Uma compreensão totalmente diferente de todas as coisas formou-se em mim sob estas influências; há certas diferenças que me separam dos homens mais que tudo até agora. Um mundo transformado. Uma vida nova cheia de novas significações. De momento, é tudo um pouco difícil, por ser tão novo. Sou um principiante nas minhas próprias condições de vida.