sábado, 27 de junho de 2015

21.



a memória do outro
é alívio apenas presumido
você sabe que ele se lembra
mas nunca o quanto se esquece

terça-feira, 16 de junho de 2015

Norbert Elias



Os exemplos mais simples da natureza multifacetada da consciência no extremo oposto do desenvolvimento humano até o momento encontram-se, provavelmente, em algumas áreas da literatura. Podemos pensar no desenvolvimento do romance desde a segunda metade do século XIX. Nos textos em prosa dos séculos anteriores - e certamente, não apenas nos textos em prosa-, o escritor mostrava-se predominantemente preocupado em dizer ao leitor o que as pessoas faziam, o que acontecia. Gradativamente, a atenção passou a se concentrar não apenas na narração dos acontecimentos, mas em como as pessoas os vivenciavam. Os autores descreviam uma paisagem, por exemplo,  e ao mesmo tempo , a chamada "paisagem interior", no sentido mais estrito ou mais amplo do termo - le paysage intérieur. Descreviam encontros entre as pessoas e, ao mesmo tempo, o "fluxo de consciência" delas ao se encontrarem. Mas, quaisquer que fossem os slogans usados, a mudança que se expressou na literatura de modo algum se restringiu a esta. A especial sensibilidade dos escritores permitiu-lhes, como uma espécie de vanguarda da sociedade, perceber e expressar mudanças que estavam ocorrendo no campo mais amplo das sociedades em que viviam. Não fosse assim, eles não teriam encontrado leitores que os compreendessem e apreciassem. Essas formas literárias constituem, na verdade, testemunhos da lenta ascensão, que pode ser observada em diversas sociedades, para um outro nível de consciência. E a presente discussão, a rigor, não é outra coisa senão uma tentativa de levar avante a descrição dessa nova etapa de autoconsciência e da imagem humana que pouco a pouco desponta no horizonte, juntamente com o que as pessoas descobrem de novo a respeito de si mesmas como indivíduos, sociedades e formações naturais.

domingo, 14 de junho de 2015

20.



a gente se encontra 
[no mais tardar,
na lembrança 
do que nunca se esquece]

terça-feira, 9 de junho de 2015

Hans Borli



uma coisa é necessária

uma coisa é necessária – aqui
neste nosso mundo díficil
de sem-abrigos e desterrados:

fixares residência em ti.

entra pela escuridão
e limpa a fuligem da lâmpada.

para que as pessoas na estrada
possam entrever uma luz
em teus olhos habitados.

(1974)

terça-feira, 2 de junho de 2015

Rainer Maria Rilke



Sou apenas um de vossos mais humildes monges,
fitando de minha cela a vida lá fora,
das pessoas mais distante que das coisas

Não me julgueis presunçoso se digo:
Ninguém realmente vive sua vida.
As pessoas são acidentes, vozes, fragmentos,
medos, banalidades, muita alegria miúda,
já crianças, envoltas em dissimulação,
quando adultas, máscaras; como rostos – mudas.

Penso muita vez: deve haver tesouros
onde se armazenam todas essas muitas vidas,
como armaduras ou liteiras, berços
que nunca portaram alguém francamente real,
vidas qual roupas vazias que não se sustentam
de pé e, despencando, agarram-se
às sólidas paredes de pedra abobadada.

E quando à noite vagueio
fora de meu jardim, imerso em tédio,
sei que os caminhos todos que se estendem
levam ao arsenal de coisas não vividas.

Não há árvore ali, como se a terra se guardasse
e como ao redor da prisão ergue-se o muro,
sem janela alguma, em seu sétuplo anel.
E seus portões, de trancas de ferro,
que repelem os que querem passar,
têm suas grades todas feitas por mãos humanas.