quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Bill Nichols



introdução ao documentário 

Dito de outra forma, os documentários normalmente contêm uma tensão entre o específico e o geral, entre momentos únicos da história e generalizações. Sem a generalização, os documentários em potencial seriam pouco mais do que registros de acontecimentos e experiências específicas. E se não fossem nada além de generalizações, seriam pouco mais do que tratados abstratos. É a combinação das duas coisas, dos planos e cenas individuais que nos colocam num determinado tempo e lugar, e a organização desses elementos em um todo maior, que dão poder e fascínio ao vídeo e ao filme documentário. 

[...]

A seleção e o arranjo de sons e imagens são sensuais e reais; proporcionam uma forma imediata de experiência auditiva e visual, mas também se tornam, por intermédio da organização num todo maior, uma representação metafórica do que seja uma determinada coisa no mundo histórico. 

[...]

Pode ser que conheçamos a definição de dicionário para essas práticas sociais e, ainda assim, desejemos representações metafóricas para nos ajudar a compreender que valores associar a essas práticas sociais. Os documentários nos dão a sensação de que podemos entender como os outros atores sociais experimentam situações e acontecimentos que se encaixam em categorias familiares (vida familiar, assistência médica, orientação sexual, justiça social, morte e assim por diante). Os documentários proporcionam uma orientação sobre a experiência de outros e, por extensão, sobre as práticas sociais que compartilhamos com eles. 

Se aceitaremos como os nossos os pontos de vista e os argumentos dos documentários, isso depende muito do poder estilístico e retórico do filme. A oscilação entre o específico e o geral no documentário, entretanto, resulta da eficácia da permissão para que uma representação específica signifique (metaforicamente) uma orientação ou avaliação geral de uma determinada questão ou tema. A compreensão metafórica é muitas vezes a maneira mais significativa e persuasiva de nos convencer do mérito de um ponto de vista em relação a outros. 

[...]

Nos documentários, portanto, falamos de assuntos que ocupam nossa vida da forma mais apaixonada e perturbadora. Esses assuntos seguem os caminhos de nosso desejo, conforme chegamos a um acordo com o que significa assumir uma identidade, ter uma ligação íntima e particular com alguém e pertencer a uma coletividade. Identidade pessoal, intimidade sexual e pertença social são outra maneira de definir os assuntos do documentário. 

[...] 

O interesse desses cineastas e escritores não era abrir um caminho livre e desobstruído para o desenvolvimento de uma tradição documental que ainda não existia. Seu interesse e sua paixão eram a exploração dos limites do cinema, a descoberta de novas possibilidades e de formas ainda não experimentadas. O fato de alguns desses trabalhos terem se consolidado no que hoje denominamos documentário acaba por obscurecer o limite indistinto entre ficção e não-ficção, documentação da realidade e experimentação da forma, exibição e relato, narrativa e retórica, que estimularam esses primeiros esforços. A continuação dessa tradição de experimentação foi o que permitiu que o documentário permanecesse um gênero ativo e vigoroso. 

Uma forma corrente de explicar a ascensão do documentário inclui a história do amor do cinema pela superfície das coisas, sua capacidade incomum de captar a vida como ela é; capacidade que serviu de marca para o cinema primitivo e seu imenso catálogo de pessoas, lugares e coisas recolhidas em todos os lugares do mundo. Como a fotografia antes dele, o cinema foi uma revelação. As pessoas nunca tinham visto imagens tão fiéis a seus temas nem testemunhado movimento aparente que transmitisse sensação tão convincente de movimento real.

[...]

Assim como um conjunto mutável de circunstâncias, o desejo de propor maneiras diferentes de representar o mundo também contribui para a formação de cada modo. Modos novos surgem, em parte, como resposta às deficiências percebidas nos anteriores, mas a percepção da deficiência surge, em parte, da ideia do que é necessário para representar o mundo histórico de uma perspectiva singular num determinado momento.  

[...]

Fazemos bem em aceitar com reservas quaisquer afirmações de que um modo novo faz progredir a arte cinematográfica e capta aspectos do mundo como jamais foi possível. O que muda é o modo de representação. Um modo novo não é melhor, ele é diferente, embora a ideia de "aperfeiçoamento" seja frequentemente alardeada, especialmente entre os defensores e praticantes de consequências, e, por sua vez, acabará se mostrando vulnerável à crítica pelas limitações que um outro modo de representação prometa ultrapassar. Modos novos sinalizam menos uma maneira melhor de representar o mundo histórico do que uma forma dominante de organizar o filme, uma nova ideologia para explicar nossa relação com a realidade um novo conjunto de questões e desejos para inquietar o público.