terça-feira, 24 de junho de 2014

Czeslaw Milosz



descrição honesta de si mesmo junto a um copo de whisky no aeroporto, digamos em minneapolis

meus ouvidos ouvem cada vez menos das conversas, meus
olhos vão ficando mais fracos, mas não se fartaram.

vejo suas pernas em minissaias, em calças compridas ou 
tecidos voláteis,

observo uma a uma, suas bundas e coxas, pensativo, 
acalentado por sonhos pornô.

velho depravado, é a cova que te espera, não os jogos e 
folguedos da juventude. 

não é verdade, faço apenas o que sempre fiz, compondo
cenas dessa terra sob as ordens de uma imaginação erótica.

não desejo a estas criaturas, desejo tudo, e elas são como
o signo de uma convivência extática.

não é minha culpa se somos feitos assim, metade contemplação
desinteressada, e metade apetite.

se após a morte eu chegar ao céu, lá deve ser como aqui,
só que me terei desfeito da obtusidade dos sentidos e do 
peso dos ossos. 

tornado puro olhar, sorverei ainda as proporções do corpo
humano, a cor da íris, uma rua de Paris em junho de 
manhãzinha, toda a incompreensível, a incompreensível
multidão das coisas visíveis.

domingo, 22 de junho de 2014

Anthony Giddens



a transformação da intimidade 
sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas 

"Mas as possibilidades radicalizadoras da transformação da intimidade são bastante reais. Alguns têm declarado que a intimidade pode ser opressiva, e isso pode realmente ocorrer se ela for encarada como uma exigência de relação emocional constante. No entanto, se considerada como uma negociação transacional de vínculos pessoais, estabelecida por iguais, ela surge sob uma luz completamente diferente. A intimidade implica uma total democratização do domínio interpessoal, de uma maneira plenamente compatível com a democracia na esfera pública. Há também implicações adicionais. A transformação da intimidade poderia ser uma influência subversiva sobre as instituições modernas como um todo. Um mundo social em que a realização emocional substituísse a maximização do crescimento econômico seria muito diferente daquele que conhecemos hoje. As mudanças que atualmente afetam a sexualidade são, na verdade, revolucionárias e muito profundas." 

"Como um ideal emancipatório da democracia, a proibição da violência é de importância básica. Entretanto, atitudes coercitivas nos relacionamentos podem obviamente assumir outras formas além da violência física. Os indivíduos podem estar propensos, por exemplo, a abusar emocional ou verbalmente de outra pessoa; como diz o ditado, o casamento é um substituto medíocre do respeito. Talvez o aspecto mais difícil da equalização do poder no relacionamento seja evitar-se o abuso emocional; mas o princípio direcionador é evidentemente o respeito pelo ponto de vista independente e pelos traços pessoais do outro."

"E quanto à responsabilidade e a sua relação com a autoridade? Nos relacionamentos puros, tanto a responsabilidade quanto a autoridade - onde ela existe - estão profundamente vinculadas à confiança. A confiança sem responsabilidade pode tornar-se unilateral, ou seja, cair na dependência; a responsabilidade sem confiança é impossível, porque significaria o escrutínio contínuo dos motivos e das ações do outro. A confiança implica a confiabilidade do outro - conferindo um 'crédito' que não requer uma verificação contínua, mas que, se necessário, pode ser aberto periodicamente para uma inspeção. Ser considerado confiável por um parceiro é um reconhecimento de integridade pessoal, mas em um ambiente igualitário tal integridade significa também revelar, quando solicitado, os motivos para as ações - e na verdade ter boas razões para quaisquer ações que afetem a vida do outro."

"A sexualidade tem esta enorme importância na civilização moderna por ser um ponto de contato com tudo aquilo que tem sido renunciado em prol da segurança técnica que a vida cotidiana oferece."

"Particularmente em suas relações com o gênero, a sexualidade deu origem à politica do individual, uma expressão mal-interpretada se estiver vinculada apenas à emancipação. De preferência, o que deveríamos chamar de política de vida é uma política de estilo de vida, operando no contexto da reflexividade institucional. Ela não se destina a 'politizar', em um sentido estrito do termo, as decisões de estilo de vida, mas remoralizá-las - colocando de maneira mais exata, trazer à tona aquelas questões morais e existenciais afastadas da vida cotidiana pelo sequestro da experiência."

"Uma consideração possível é que quanto maior o nível de igualdade alcançado entre os sexos, mais as formas preexistentes de masculinidade e feminilidade estão propensas a convergir para algum tipo de modelo andrógeno."

"À medida que a anatomia deixa de ser destino, a identidade sexual cada vez mais torna-se uma questão de estilo de vida."

"Não há lugar para a paixão nos ambientes rotinizados que nos proporcionam segurança na vida social moderna. Mas quem pode viver sem paixão, se a encaramos como a energia motriz da convicção? A emoção e a motivação estão inerentemente conectadas."

"Com a emergência da modernidade, a emoção torna-se de muitas maneiras uma questão de política de vida. No reino da sexualidade, a emoção como um meio de comunicação, e também de compromisso e de cooperação com os outros, é especialmente importante. O modelo de amor confluente sugere uma estrutura ética para a promoção de emoção não-destrutiva na conduta do indivíduo e da vida comunitária. Proporciona a possibilidade de uma revitalização do erótico - não como uma habilidade especial das mulheres impuras, mas como uma qualidade genérica da sexualidade nas relações sociais formadas pela mutualidade, ao invés do poder desigual. O erotismo é o cultivo do sentimento, expresso pela sensação corporal, em um contexto comunicativo; uma arte de dar e receber prazer."


terça-feira, 10 de junho de 2014

10.



praia do futuro 

você coloca aquela música que só nós dois sabemos cantar. começo o embalo sozinha, com aquele meu jeito de quem não sabe dançar. mas, mesmo sem ensaio, nossos movimentos fazem sentido, se encaixam. encontramos nossa coreografia própria e íntima. é a pele que guia. a música ecoa dentro das nossas quatro paredes. aqui nada mais é secreto. não há grito mais alto do que aquilo que sussurro em teu ouvido. não há resto de mundo. aqui, até o inverno aquece.