sábado, 29 de outubro de 2016

Wislawa Szymborska



a casa de um grande homem

escrito no mármore em letras douradas:
aqui viveu e trabalhou e morreu um grande homem.
ele próprio espalhou o cascalho nestas veredas.
este banco - não tocar - ele esculpiu na pedra.
e - atenção - três degraus - vamos entrar.

conseguiu vir ao mundo num tempo ainda adequado.
tudo que devia se passar se passou nesta casa.
não em conjuntos residenciais,
não em áreas mobiliadas mas vazias,
entre vizinhos desconhecidos,
em décimos quintos andares
para onde seria difícil conduzir excursões escolares.

neste quarto meditava,
nesta alcova dormia
e aqui recebia as visitas.
retratos, poltrona, escrivaninha, cachimbo, globo, flauta,
tapete gasto, varanda envidraçada.
aqui trocava reverências com o alfaiate e o sapateiro
que costuravam sob medida para ele.

não é mesma coisa que fotografia  em caixas,
canetas com tinta seca em canecas de plástico,
roupas em séries nos armários de série,
janela da qual se veem melhor nuvens do que pessoas.

feliz? infeliz?
não se trata disso.
ainda fazia confidências nas cartas,
sem pensar que no trajeto seriam abertas.

mantinha também um diário preciso e sincero,
sem temor de vê-lo confiscado numa revista.
mais que tudo o inquietava o passar de um cometa.
o fim do mundo estava só nas mãos de deus.

teve ainda sorte de não morrer num hospital,
atrás de uma divisória branca qualquer.
junto a ele havia alguém que memorizou
as palavras balbuciadas.

como se lhe tivesse sido dada
uma vida muitas vezes reutilizável:
mandava recapar os livros,
não apagava da agenda os nomes dos mortos.
e as árvores que plantou no jardim da casa
cresciam-lhe ainda como junglans regia
e quercus rubra e ulmus regia
e fraxinus excelsior.

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