sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Tzvetan Todorov



a beleza salvará o mundo

"Subitamente, no início da peça seguinte, produz-se algo de diverso. A pequena orquestra, cordas e flautas, ataca um concerto célebre, conhecido como La Notte. Mas a execução se dá com tal precisão, tal justeza que, no decorrer de alguns segundos, toda a sala se congela e retém a respiração. Todos somos suspensos pelos gestos lentos dos músicos e absorvemos os sons puros um a um, à medida que escapam dos instrumentos. Todos temos a consciência de participar, neste exato momento, de um evento excepcional, de uma experiência inesquecível. Minha pele se arrepia. Alguns instantes de silêncio se seguem ao fim do fragmento, antes da explosão de aplausos.
Em que consiste essa experiência? Vivaldi é m grande compositor, o Concerto Italiano um grupo excelente, mas não se trata apenas disso. Não sei analisar a música, contento-me em escutá-la ingenuamente, e imagino que a maior parte do público está em situação idêntica à minha. Aquilo que nos transportou pelo tempo em que durou a peça não diz respeito apenas à música. A perfeição da execução abriu as portas para uma experiência rara, porém familiar; ela nos conduziu a um lugar que ainda não sabemos nomear, mas que de saída, sentimos que nos é essencial. É um local de plenitude. Durante um momento, nossa perpétua agitação interior se suspendeu. Raramente, uma ação ou uma reação contêm em si sua justificação, uma e outra surgem para levar a um resultado, um sentido situado para além delas. Em momentos abençoados como este de que falo, não aspiramos mais a um além - já estamos nele. Ignoramos estar à procura desse estado; porém, quando chegamos a ele, reconhecemos sua importância vital: esse momento de arrebatamento corresponde a uma necessidade imperiosa. Algum tempo mais tarde, li num pequeno livro dedicado pelo mesmo Rinaldo Alessandrini a outro grande compositor: "Monteverdi dá a possibilidade àqueles que o escutam de tocar a beleza com o dedo". Sim, é isso. A beleza, seja de uma paisagem, a de um encontro ou de uma obra de arte, não remete a algo para além dessas coisas, mas nos faz apreciá-las enquanto tais. É precisamente essa sensação de habitar plena e exclusivamente o presente que experimentávamos ao escutar La Notte."

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