sexta-feira, 25 de julho de 2014

Milan Kundera



a arte do romance

o espírito do romance é o espírito de complexidade. Cada romance diz ao leitor: "as coisas são mais complicadas do que você pensa". essa é a eterna verdade do romance que, entretanto, é ouvida cada vez menos no alarido das respostas simples e rápidas que precedem a questão e a excluem. para o espírito de nosso tempo, é Anna ou então Karenin que tem razão, e a velha sabedoria de Cervantes que nos fala da dificuldade de saber e da inatingível verdade que parece embaraçosa e inútil.
o espírito do romance é o espírito de continuidade: cada obra é a resposta às obras precedentes; cada obra contém toda a experiência anterior do romance. Entretanto, o espírito de nosso tempo está fixado sobre a atualidade, que é tão expansiva, tão ampla, que expulsa o passado do nosso horizonte e reduz o tempo ao único segundo presente. incluído nesse sistema, o romance não é mais obra (coisa destinada a durar, a unir o passado ao futuro), mas acontecimento da atualidade como outros acontecimentos; um gesto sem amanhã.

...

o romance não examina a realidade mas sim a existência. a existência não é o que aconteceu, a existência é o campo das possibilidades humanas, tudo aquilo que o homem pode tornar-se, tudo aquilo de que é capaz. os romancistas desenham o mapa da existência descobrindo esta ou aquela possibilidade humana.

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