quinta-feira, 23 de maio de 2013

Paul Valéry



degas dança desenho

"Esse exercício pelo informe ensina, entre outras coisas, a não confundir o que se acredita ver com o que se vê. Há uma espécie de construção na visão, de que somos dispensados pelo hábito. Adivinhamos ou prevemos, em geral, mais do que vemos, e as impressões do olho são para nós signos, e não presenças singulares, anteriores a todos os arranjos, resumos, escorços, substituições imediatas que a educação elementar nos inculcou.
Assim como o pensador tenta se defender das palavras e das expressões prontas que dispensam os espíritos de se surpreender com tudo e tornam possível a vida prática, do mesmo modo o artista pode, pelo estudo das coisas informes, isto é, de forma singular, tentar encontrar sua própria singularidade e o estado primitivo e original da coordenação de seu olho, de sua mão, dos objetos e de seu querer.
No grande artista, a sensibilidade e a técnica possuem uma relação particularmente íntima e recíproca que, no estado vulgarmente conhecido sob o nome de inspiração, alcança uma espécie de gozo, troca ou correspondência quase perfeita entre o desejo e aquilo que o realiza, o querer e o poder, a ideia e o ato, até o ponto de resolução em que se interrompe esse excesso de unidade composta, em que o ser excepcional que tinha se constituído a partir de nossos sentidos, nossas forças, nossos ideais, nossos tesouros adquiridos, se desloque, se desfaça, nos abandone a nosso comércio de minutos sem valor em troca de percepções sem futuro, deixando atrás algum fragmento que só pode ter sido obtido em um tempo,  ou em um mundo, ou sob uma pressão, ou graças a uma temperatura da alma bastante diversos daqueles que contêm ou produzem o Seja o que for...
Digo um fragmento, pois há poucas chances de que essas uniões muito breves nos entreguem toda uma obra de alguma extensão.
Nesse ponto intervêm o saber, a duração, as retomadas, os julgamentos. É preciso uma boa cabeça para explorar os acasos felizes, dominar os achados, e terminar.
Alguns se perguntam se o pintor tem necessidade de saber outra coisa além de ver e se servir de sua técnica.
Dizem, por exemplo: Muitos maus pintores conheceram a anatomia que muitos bons pintores ignoraram.Logo, nada de anatomia."

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