segunda-feira, 2 de abril de 2018

Mia Couto


o poente da bandeira 

"abril: sim, deve ser demasiado abril."

"quem é este menino que faz do mundo outro menino? deixemos seu nome, esqueçamos seu lugar."

" - você, miúdo, não aprendeu respeitos com a bandeira?
sente o sangue escorrendo, a bota do soldado ainda lhe dói uma última vez. como pode saber ele os procedimentos exigidos pelo vigilante? mas o soldado é totalmente militar: está só cumprindo ignorâncias, jurista de chumbo incapaz de distinguir um fora-da-lei de um lei de fora. E o menino vai vislumbrando um outro caminho, tão sem pedrinhas que os pés nem tinham que escolher. Um caminho que dispensava toda bandeira. à medida que o soldado desfere mais violência, a bandeira parece perder as cores, a paisagem em redor esfria e a luz tomba de joelhos. é, então.
sucede coisa que nem nunca nem jamais: a bandeira, em inesperado impulso, se ergue em ave, nuamente atravessando nuvens. fluvial, o pano migra para outros céus. no momento, se vê o quanto as bandeiras roubam aos azuis celestiais.
mas o espanto apenas se estreou, aquilo era apenas o presságio. porque, no sequente instante, a palmeira se despenha das suas alturas fulminando o soldado, em clarão de rasgar o mundo em dois. sobem confusas poeiras, mas depois a palmeira se esclarece, tombada em assombro, junto aos corpos.

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