terça-feira, 16 de junho de 2015

Norbert Elias



Os exemplos mais simples da natureza multifacetada da consciência no extremo oposto do desenvolvimento humano até o momento encontram-se, provavelmente, em algumas áreas da literatura. Podemos pensar no desenvolvimento do romance desde a segunda metade do século XIX. Nos textos em prosa dos séculos anteriores - e certamente, não apenas nos textos em prosa-, o escritor mostrava-se predominantemente preocupado em dizer ao leitor o que as pessoas faziam, o que acontecia. Gradativamente, a atenção passou a se concentrar não apenas na narração dos acontecimentos, mas em como as pessoas os vivenciavam. Os autores descreviam uma paisagem, por exemplo,  e ao mesmo tempo , a chamada "paisagem interior", no sentido mais estrito ou mais amplo do termo - le paysage intérieur. Descreviam encontros entre as pessoas e, ao mesmo tempo, o "fluxo de consciência" delas ao se encontrarem. Mas, quaisquer que fossem os slogans usados, a mudança que se expressou na literatura de modo algum se restringiu a esta. A especial sensibilidade dos escritores permitiu-lhes, como uma espécie de vanguarda da sociedade, perceber e expressar mudanças que estavam ocorrendo no campo mais amplo das sociedades em que viviam. Não fosse assim, eles não teriam encontrado leitores que os compreendessem e apreciassem. Essas formas literárias constituem, na verdade, testemunhos da lenta ascensão, que pode ser observada em diversas sociedades, para um outro nível de consciência. E a presente discussão, a rigor, não é outra coisa senão uma tentativa de levar avante a descrição dessa nova etapa de autoconsciência e da imagem humana que pouco a pouco desponta no horizonte, juntamente com o que as pessoas descobrem de novo a respeito de si mesmas como indivíduos, sociedades e formações naturais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário